TESTE GENÉTICO DEVE SER FEITO POR MINORIA, DIZEM MÉDICOS APÓS ‘CASO JOLIE’
Do Uol, 17/5/2013
A decisão divulgada esta semana por Angelina Jolie, de remover as mamas após a descoberta de uma mutação genética que aumenta o risco de câncer, tem feito muita gente refletir. Considerando que o câncer de mama é o tipo de tumor mais comum nas mulheres brasileiras – mais de 50 mil casos são diagnosticados todo ano, dá para concluir que é alto o número de pessoas com casos na família que, com a repercussão do caso, estão pensando se não seria o caso de fazer um teste também.
Não faltam elogios à atitude da atriz, que até é capa da revista Time, além de críticas sobre o alto preço dos testes genéticos, que no Brasil podem chegar a R$ 9.000. Mas a questão é: toda mulher com casos de câncer na família precisa deles? Os médicos, aqui e especialmente nos EUA, têm feito um esforço enorme na mídia para convencer as pessoas de que não.
A. Jolie, na capa da Time.
Em primeiro lugar, é preciso considerar que a mutação no gene BRCA1, referida pela atriz, ocorre em cerca de 0,1% da população. Ou seja, o exame é desnecessário para a maioria das pessoas. E apenas 10% dos casos de câncer de mama são hereditários.
Mulheres com mutação no BRCA1 têm um risco de 55% a 85% de ter câncer de mama (a porcentagem varia porque nem toda mutação é igual, nem foi associada ao câncer). De modo geral, o Instituto Nacional de Câncer dos EUA estabelece que 60% das mulheres com mutação nesse gene terão câncer durante a vida, contra 12% das mulheres em geral. Para quem tem mutação no BRCA2, outro gene associado ao câncer de mama, a probabilidade é de cerca de 40%.
A questão é que nem todos os cânceres hereditários têm relação com o BRCA1 ou o BRCA2. “Há pelo menos outros 14 genes envolvidos”, explica o geneticista Salmo Raskin, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e proprietário da clínica Genetika, em Curitiba. Ele conta que em aproximadamente metade dos casos não é possível saber quais os genes que levam parentes a desenvolver um mesmo tipo de tumor. “Há famílias em que a hereditariedade do câncer é evidente e não se encontra nada”, comenta.
Mesmo o teste para identificar mutações nos genes BRCA1 ou BRCA2 pode ser inconclusivo. “São genes grandes e não se conhece todas as mutações”, explica o médico Wagner Baratella, especialista em genética molecular do Fleury, laboratório que realiza o exame há oito anos. Ele conta que há pacientes que apresentam mutações que ainda não foram descritas na literatura. Nesses casos, não é possível saber se elas têm risco aumentado de câncer.
De acordo com os médicos, existem critérios bem estabelecidos para a realização de testes genéticos. São eles:
• Dois ou mais parentes de primeiro grau ou de segundo grau (neta, avó, tia, sobrinha, meio-irmão) com câncer de mama e/ou de ovário
• Câncer de mama antes dos 50 anos (pré-menopausa) em um parente de primeiro grau
• Um ou mais parentes com dois tumores (de mama e de ovário ou dois tumores mamários independentes)
• Parentes do sexo masculino com câncer de mama
Já para judeus ashkenazi, que têm uma tendência maior a esse tipo de câncer, um caso de parente próximo com câncer de mama ou de ovário pode ser suficiente para se indicar o exame.
Todos esses critérios são definidos a partir de estudos científicos. Uma pessoa pode não ter indicação para o exame, mas ter a mutação e se beneficiar de um procedimento preventivo, como o que Jolie fez? Sim, isso pode acontecer. Mas também é possível que alguém descubra mutações, entre em um estado de ansiedade terrível e nunca venha a ter a doença.
Exame em casa
O chamado “efeito Angelina Jolie” já pode ser percebido em laboratórios que oferecem testes genéticos no país. É o caso da Diagnósticos Laboratoriais Especializados (DLE), que oferece o exame para detectar mutações associadas ao câncer de mama e de ovário com a possibilidade de coleta em casa e sem necessidade de pedido médico, algo comum nos EUA, mas que ainda é incipiente no Brasil.
“Nos últimos dias já deu para notar o aumento da procura, de gente ligando para buscar informações sobre o exame”, conta o geneticista Cláudio Schmidt, do DLE. O laboratório frisa, no entanto, que é importante consultar um médico antes e depois de fazer os testes. O laboratório também pede a indicação de um médico de referência que é contatado caso o teste dê algum resultado preocupante.
No caso do exame para avaliar a propensão ao câncer, a análise é feita a partir da saliva – a pessoa esfrega uma espécie de cotonete na parte interna da bochecha e na parte inferior da gengiva, e depois guarda o coletor no vidro. O kit é enviado pelo correio para o cliente, que faz a coleta em casa e envia, também pelo correio, ao laboratório. O resultado fica pronto em 30 dias úteis. O preço é R$ 5.800,00.
Para Salmo Raskin, não se pode realizar testes complexos como o de propensão ao câncer sem que haja um aconselhamento genético. Na sua clínica, ele diz ainda não ter sentido o “efeito Angelina Jolie”. Mas acredita que a procura ainda vai aumentar, ainda que lá o teste não seja oferecido sem solicitação médica. Na opinião dele, os próprios médicos deverão fazer mais encaminhamentos, ainda que os critérios para a indicação do exame continuem os mesmos.
Comentários pessoais: considero os avanços da genética cada vez mais incríveis. Quando você acha que, por ser hereditário, uma certa pessoa já está destinada a desenvolver um problema, uma anomalia, seja lá o que for, vem a ciência e te diz “alôooo, eu existo, tá?”. Ok. Sorte da Angelina Jolie ter $ de sobra pra fazer o exame, a mastectomia, todo o pós-operatório nos melhores hospitais do mundo e um acompanhamento de primeira. Mas esse alarde todo também traz, aos que não têm tanta sorte na vida, o seguinte questionamento: posso ter também, e aí? Hospitais públicos não cobrem esse tipo de exame em nosso país. É um minoria que dispõem de condições para fazê-lo. E tem também a questão das probabilidades, meus queridos. Nada nessa vida é 100%. Principalmente quando se trata do nosso amado código genético. Tem bastante coisa a ser descoberta. Têm mutações e mais mutações escondidas por aí, e continuarão aparecendo. Qual seria sua reação e como seria sua vida ao passar por um exame desse e saber que o resultado mostra 75% de chances de você desenvolver um câncer? Você é saudável, não sente nada, não tem sintomas. Mas as chances estão aí. Você se colocaria entre as 25% de chances de não desenvolver ou entre os 75% e começaria a pirar a partir de agora? Questões éticas, questões de saúde pública, questões de economia. Muita coisa a ser analisada antes de jogar na mídia, com tal repercussão, um assunto sobre o qual muita gente nem tem conhecimento.
Anna Motzko